ZÉ DESCALÇO E O LAXANTE
ZÉ DESCALÇO E O LAXANTE
Pelos idos dos anos trinta, no Triângulo Mineiro quase às margens do Rio Tejuco, sobressai na paisagem do cerrado as instalações da Fazenda Monjolo, com suas típicas construções de modelo colonial e centro de vastas léguas de terras com seus engenhos de cana, chiqueiros, paióis, currais e gado zebu que pastavam pela vastidão do cerrado e campinas.
Senhor Sebastião, proprietário, corpo atarracado, fala mansa, coração duro e costumes vindo de séculos, um típico “coronel “ do sertão, comandava a família de uma dúzia de filhos e mais de uma dezena de peões, com punho de ferro e fama de ser uma boa pessoa; mas nem tanto.
Naqueles tempos pouco se plantava nas terras de cerrado, de acidez elevada, por consequência pouco produtiva.
As lavouras buscavam as terras chamadas de “cultura”, ao largo, nas margens dos córregos e rios, terra preta de mato onde tudo que se plantava germinava, com chuvas abundantes e auxílio das rezas e terços da devotada família.
Mato derrubado se plantava arroz, feijão, milho, cana para as rapaduras e açúcar, que abastecia a fazenda e comercializava-se o excedente.
Os trabalhadores da propriedade eram divididos em grupos que, ainda no escuro do amanhecer, munidos de enxadas, machados e outras ferramentas, caminhavam para as distantes lavouras para o plantio e cuidados necessários.
Já no roçado, não retornavam para a sede da fazenda para almoçar, costume era levar o almoço à gleba por volta das 10 horas da manhã, lembrando que a labuta começava bem cedo e cedo também apertava a fome.
Lá pelas três da tarde chegava a costumeira e tradicional merenda, sempre aguardada com ansiedade pelos trabalhadores.
José de Souza, alcunha de Zé Descalço, por não usar botinas devido aos calos que brotavam dos pés em proeminentes calombos era o transportador das boias do almoço e das merendas farturentas.
Arriada a mula, nos alforges, caldeirões com arroz , feijão, abóbora, mandioca e quase sempre carne de porco, mantinham a turma alimentada e disposta à lida diária.
À tarde voltava o Zé Descalço com a merenda, com vasilhas de doce de leite, queijo fresco, biscoitos, litros de garapa do engenho da fazenda, guloseimas apreciadas pela peãozada.
Daí vem a consumação do nosso causo.
Zé Descalço, também voraz apreciador dos quitutes da farnel, furtivamente, a meio caminho, apeava da mula sob alguma sombra, se esbanjava comendo parte substancial do que transportava. Era famoso entre seus pares pelo apetite voraz, e dizia, o esquálido cafuzo, que se esbaldava com comidas de qualquer natureza para apaziguar as lombrigas.
Subtraída parte considerável dos alimentos, os companheiros na roça se entreolhavam desconfiados, dividindo parcamente o que restara do lanche.
Devido ao respeito ao velho coronel Sebastião, ninguém se aventurava enredar o fato, porém, à boca pequena, corria entre os trabalhadores que a avareza havia contaminado o patrão, que diminuíra a quantidade da merenda.
E assim vinha ocorrendo, até que certa feita, ficou sabendo o coronel das falcatruas do Zé Descalço, que explodiu em profunda raiva, chegando a falar em apear da vida o glutão.
Dona Abadia, sua esposa, devota de vários santos foi ao extremo esforço em demover o marido dessa empreitada, com rezas e promessas o convenceu a tomar outras atitudes que não fosse o extremo; eliminar o Zé Descalço.
Sem conseguir pegar no sono a noite, veio a mente do velho coronel um ardil, uma vingança, e que fosse profunda e exemplar.
No dia seguinte da insônia, encomendou à Dona Abadia que misturasse ao doce de leite e outros acompanhamentos que seriam levados pelo ávido peão, uma boa doze de purgante, para quem não sabe, muito usado para “ lavagem” dos intestinos, que aviado com parcimônia cumpre seu objetivo, em doses cavalares como ordenara o enfurecido fazendeiro, com certeza, poria as entranhas do comilão numa atroz e inenarrável diarreia.
Assim foi feito, pela tarde, seguido pelo coronel, o guloso, sob a sombra de uma frondosa árvore se esbaldou na comilança, dando preferência ao pastoso doce de leite, que parecia estar com um sabor estranho, mas que a doce garapa se encarregava de camuflar o gosto.
Conta-se que Zé Descalço não conseguiu sequer montar a mula novamente, um palavreado estranho da forrada barriga em cólicas agudas vieram como um terremoto do fim do mundo, efeito do purgativo.
Pulando e gritando, arriando as calças não conseguia sequer postar-se para as necessidades…
O coronel se aproximando, gritou: e aí, Zé, como estava a merenda?
Sinais mal cheirosos ficaram por dias a denunciar aquele lugar da malquerença do coronel contra o pobre Zé Descalço;
que nunca mais foi visto por aquelas bandas.
Haromax
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Enviado por Haromax em 15/11/2024
Alterado em 21/11/2024